A jovem belo-horizontina Petrina Santos é uma empreendedora cívica e social com atuação reconhecida internacionalmente. Como diretora-executiva da Ageeo, empresa que fundou há seis anos, trabalha com organizações de governo, setor corporativo e terceiro setor. Foi conselheira do Brasil na ONU para o High Level Political Forum e no G20 Youth China. Recentemente foi considerada talento global em inovação social e é alumni do American Council for Young Political Leaders, por meio do Departamento de Estado dos Estados Unidos, dentre outros. Nesta entrevista, ela nos situa sobre os desafios e oportunidades de atuar com educação, impacto social e advocacy em sua carreira.
1) Qual foi a sua motivação para a construção da Ageeo e como você acredita que o seu propósito se manifesta pelo seu trabalho?
Durante 11 anos da minha vida, em minhas 3 horas diárias de caminhada até a escola, eu sempre pensava porque a educação ainda era um privilégio. A escola foi o lugar que me apoiou no meu desenvolvimento e na superação de algumas das minhas necessidades básicas, como comer. Anos depois, quando eu fui a primeira pessoa da minha família a continuar os estudos no ensino superior, percebi o quanto é importante ser coerente e focada para superar as barreiras sociais. Até então sonhar ou fazer algo diferente que trabalhar para sustentar a casa não eram opções factíveis.
Dei-me conta com o passar do tempo que experienciar novas realidades, mais do que conhecê-las, de fato muda nossas perspectivas, pontos de vistas e visão de futuro. Comecei fazendo isso com tudo que podia. Batia na porta do SENAI quase todo dia para saber sobre os cursos gratuitos durante minha adolescência e consegui ingressar em uma formação com bolsa para menor aprendiz. Depois segui para o SENAC e me inscrevi para fazer um processo seletivo para tentar uma bolsa para um curso técnico. À época escolhi farmácia, por amar química. Consegui uma vaga, e ao passo que trabalhava para sustentar minha família, também realizava o curso, pós ensino médio. Assim seguia minha jornada com uma energia incansável que de fato não sei de onde vinha...
E apesar dos obstáculos seguia adiante. Em 2013, fui aceita no UNIBH com uma bolsa integral para cursar minha graduação apoiada pelo governo federal. Essa conquista permitiu tornar-me líder de equipe de um grupo de pesquisa da faculdade, para o qual o meu curso em gestão ambiental não era aceito e lembro-me até hoje de responder ao meu coordenador a pergunta que sempre mais ouvi na minha vida: “Mas, o que você está fazendo aqui?” Eu já estava acostumada (risos) e à época devolvi com uma outra pergunta “Mas quem irá trazer o óleo de cozinha usado para a faculdade? Isso é logística reversa e disso a gestão ambiental cuida.” Sim, não se havia pensado nisso ainda no projeto que tinha o objetivo de transformar o óleo de cozinha usado em biodiesel. Um ano depois como um dos resultados, publicamos um artigo em um congresso científico, oportunidade em que viajei pela primeira vez de avião aos 22 anos e depois fui finalista internacional do TIC Americas Awards, promovido pela Pepsico na Guatemala, oportunidade em que saí pela primeira vez do Brasil.
Quando voltei, ingressei como bolsista na primeira classe de educação executiva em impacto social da Fundação Dom Cabral, após um intenso processo seletivo, e a missão era fazer do projeto um negócio, inicialmente chamado Transformoleum. Meu mentor Marcelo, que sempre muito grata, à época apontou que esse nome não funcionava e eu precisava urgentemente chegar em outro. Por incrível que pareça, eu sonhei com o nome Aggio e registrei a empresa 2 meses depois. Hoje, como Ageeo, a ressignificação acontece com a conexão entre as letras ee, que representa que juntos estamos e traduz a agilidade, atitude empreendedora e comprometimento com o que a gente trabalha. O modelo de negócio de transformar o óleo, sim, “deu errado” e escopo naturalmente tornou-se atuar em gestão de projetos de educação e impacto social e advocacy. Essa é uma breve parte da estória que foi o começo da minha missão em inovação social e empreendedorismo, conectando pessoas e comunidades a espaços institucionais de tomada de decisão.
Meu propósito tem se manifestado em meu trabalho por dois pontos principais: ao desenvolver pessoas, jovens e adultos, oportunizando não somente o conhecer de novas realidades, mas de fato, de estar presente nesta, saindo de um ponto A para um ponto B, bem como desenvolvendo novos arranjos de cooperação intersetorial para solucionar desafios complexos de vida contemporânea.
Mudar a lente de como enxergar o mundo mudou minha história, e penso que pode mudar muitas outras histórias também.
2) Por que falar sobre ODS? Como foi a construção do seu caminho para alcançar marcos tão importantes, assim como o Prêmio ODS, a participação no Unleash em Singapura e o G20 Youth na China?
Porque quem realiza os projetos na ponta não está nas tomadas de decisões e quem está nas tomadas de decisões não vive a realidade da ponta. Muitas das decisões hoje tomadas em nível macro não necessariamente consideram a realidade intrínseca do contexto micro. E assim, é essencial apoiar-se em acordos de cooperação que facilitem a conexão entre os países e união de objetivos, aparentemente distantes, como os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 ancorados pela ONU. Além disso, falar sobre ODS significa falar sobre o futuro de nossa sociedade, que já é presente, pois é construído por nossas ações desde agora.
A construção do caminho se deu por muito trabalho e entrega... principalmente sendo cara de pau e superando o medo com a coragem de fazer as coisas acontecerem. Outro diferencial era fazer o que ninguém queria fazer. Sempre lidei com as atividades consideradas mais chatas ou difíceis. Também, precisei lidar com muito jogo de cintura e transparência com todo o ego e vaidade presentes na área de impacto social. Construir laços de confiança baseados no profissionalismo e atravessar com dignidade o modus operandis da “gestão do tapinha nas costas” permitiu-me ter clareza em seguir firme com o eu acredito sem me corromper e a entender onde eu devia de fato estar. Foi essa conjuntura de fatores que me legitimaram a estar em espaços tão seletos.
Só no Unleash foram mais de 12,000 applications do mundo todo, onde 1000 candidatos foram escolhidos, e integrei então o grupo de Talentos Globais, reconhecidos pela ONU e pela Deloitte. E no G20 Youth China pude ser uma das 5 representantes do Brasil, corresponsável pela elaboração do relatório técnico nacional e pela carta oficial (Final Communiqué) entregue à Cúpula do G20 e aos Chefes de Estado. Conseguimos defender e registrar 3 das 12 cláusulas na carta oficial final e de fazer influência positiva no tema de negócios inclusivos, durante todo o evento, o que contribuiu posteriormente para o lançamento do 1º relatório do G20 para o tema, em março de 2017.
3) Como foi a experiência de trabalhar no sertão nordestino desde a implementação do projeto até os vínculos humanos que você carrega até hoje?
Trabalhar por todo o sertão nordestino e região norte, nas comunidades ribeirinhas, é uma experiência mais que especial, é um batismo de Brasil! Pude conhecer realidades tão intensas e complexas que não esperava ver mais em pleno séc. XXI. E fazer parte disso, conectar com as pessoas por meio de lanços de confiança e ver as comunidades não só se transformarem, mas sim, sendo em realidade o que já são em potencial, é muito enriquecedor.
O papel de traduzir para este mundo todas as metodologias e técnicas de gestão de projetos, desenvolvimento de comunidades, criação de redes e iniciativas locais para subsistência e geração de renda proporcionou-me grande aprendizado, principalmente em ludicidade das atividades e leveza para compreender os diferentes ritmos e riquezas de cada região.
Foi no sertão que conheci meus avós de alma e dessas regiões realmente carrego amizades singelas e vínculos humanos verdadeiros. E essas experiências também compõem meu repertório em tudo que desenvolvo!
Pergunta bônus: Quais conselhos você daria para jovens empreendedores que querem seguir carreira no setor de impacto social?
Primeiro, confie em você, de verdade, mas com a humildade de reconhecer-se sempre em constante aprendizado. Isso te ajudará a não se perder e aprender que não precisamos competir com ninguém, porque sempre temos algo a aprender com o outro.
Realize! E não se apegue aos frutos de suas ações. Precisamos fazer acontecer, porque tempo é vida e devemos aproveitar o máximo para trazer coisas incríveis à tona, mas não faça isso por reconhecimento e/ou por ser legal fazer. Também não deixe de se cuidar neste caminho. Antes de querer mudar o mundo, é essencial mudar e cuidar de nós mesmo. E isso é bastante coisa!
Não se compare... cada pessoa tem sua estória e de fato, nenhuma será melhor ou pior que a outra. O mundo precisa de mais empatia e conexões reais. Então vibre também pelas conquistas dos outros. Lembre-se sempre estamos todos fazendo nossa parte da melhor forma que podemos.
E no mais, busque por oportunidades, mas também construa as suas, ainda que haja resistências. Muitas das oportunidades que tive não estavam dadas ou criadas, até que eu pudesse despertá-las nos ambientes que passei. Então, conecte-se com pessoas em redes que estão ativas no propósito de realização, e estude por meios formais ou não. Conhecimento com experiência aplicada será sempre um diferencial.
" No mundo atual, é notória a importância da globalização e todas as transformações resultantes desse processo. Não menos importante e ao passo que o mundo se conecta cada vez mais, torna-se essencial o elo entre pessoas, organizações e comunidades. Ainda que haja perspectivas diferentes, o convite está dado à construção de uma missão em comum: a perenidade de nossas ações, que caminha pela consolidação de uma agenda positiva de trabalho. "