Célia Kano é engenheira e mestre formada pela Poli-USP. Iniciou a sua carreira em grandes empresas nacionais e multinacionais, implementando rotinas de análise e gestão. Após um período, com a grande bagagem e repertório adquiridos ela decidiu direcionar o seu trabalho para causas que representariam um impacto social.
Hoje ela divide seu conhecimento com milhares de mulheres através da Rede Mulher Empreendedora e também atua no fundo patrimonial Amigos da Poli, que fomenta projetos inovadores na Universidade.
O 3 (quase 4) perguntas hoje é com a Célia.
1.1) Quais foram os fatores que fizeram você decidir mudar a sua trajetória profissional?
Eu acredito que é cada vez mais difícil separar uma vida profissional e uma vida pessoal. A tecnologia faz os whatsapp do cliente chegarem no fim de semana e o grupo da família bombar no meio de uma reunião de trabalho. Na mesma timeline que você vê posts dos amigos de infância, você vê posts da empresa que está fazendo benchmarking. A tecnologia pode bagunçar mais o dia a dia se você tiver realmente “duas vidas” ou pode te facilitar a divulgar mais seus valores pessoais e seu trabalho profissional e te aproximar dos seus clientes.
Trabalhando com gestão e novos negócios em multinacionais, percebi o quanto a minha formação de engenheira me facilitava a criar soluções e garantir mais produtividade e lucro para empresas. Por outro lado, achava que aquelas margens poderiam ser melhor utilizadas para produtos e serviços que gerassem lucro para os acionistas e benefícios para a sociedade.
Passei a estudar mais como as empresas podiam ser sustentáveis socialmente e financeiramente. Nesse ponto, aquela mesma tecnologia que dava constraste às minhas 2 vidas paralelas, me facilitava agora a encontrar informações e cases globais sobre o Tripple Bottom Line, Sistema B, Capitalismo Consciente, Setor 2.5, Investimento de Impacto e cases como o Grameen Bank. E eu percebi o quanto o Brasil tinha cases muito legais como a Vox Capital, Vivenda e 4you2!
Após tantos projetos de gestão como consultora, percebi que à medida que as grandes empresas crescem, os funcionários esquecem quem é o “cliente”. Na maioria das vezes, os funcionários focam a entrega dos resultados para os acionistas, em busca de destaque e bônus. As empresas são tão grandes, que as pessoas não conseguem mais ver o “cliente”. Produtos são empurrados por propaganda ao invés de entender o que as pessoas realmente precisam consumir.
Comecei a ver que as grandes empresas poderiam fazer mais pelos seus clientes e a sociedade no geral. Não estou falando de doação somente, mas como os produtos e serviços poderiam ser lucrativos e ter um impacto positivo social também.
1.2) Qual transformação você acredita que as empresas devem buscar para atender aos valores que os profissionais buscam hoje em dia?
Para essa transformação, acho que as empresas precisam de frentes de batalha entre os acionistas, líderes e funcionários. Não adianta o funcionário pedir mais igualdade de gênero, por exemplo, se o board dos acionistas só tem homem e não vê isso como um ponto a melhorar. Não adianta ter acionistas que incentivem a igualdade de gênero se existe um líder que assedia sua funcionária. Uma empresa com essas frentes de batalha fracas, naturalmente gerarão produtos inadequados, com vieses e que só confirmarão a desigualdade na população.
Mas a mais profunda transformação está no propósito da empresa. Entender porque as empresas existem e o impacto que ela quer ter durante a sua existência são coisas essenciais. Assim como se desdobra a meta de lucro, é necessário desdobrar as metas de impacto social para todas as áreas e funcionários.
E voltando ao impacto da tecnologia, acho que as empresas são cada vez mais vistas no 360 graus. Não existe só o relatório financeiro anual. As redes sociais da empresa e dos seus funcionários são vigiadas em tempo real e facilitam para que seus clientes vejam se o produto, propaganda e atitudes dos funcionários e líderes das empresas estão alinhados e o quanto o propósito da empresa é fraco e frágil ou forte e consistente.
2) Como você vê a crise de hoje mudando o comportamento de consumo dos clientes? De quais maneiras os empreendedores podem auxiliar a construir um mercado mais consciente?
Apesar de todos os desastres, a crise do covid pressionou as pessoas a reavaliarem seu consumo e isso trouxe uma preocupação positiva pelo consumo do pequeno empreendedor e dos negócios locais. Para eu, que trabalho na Rede Mulher Empreendedora, acho esse movimento muito bacana!
As mulheres empreendedoras, especificamente, tem muito a acrescentar, pois trazem produtos mais preocupados com a diversidade, aumentam as referências de liderança feminina e ajudam a criar sociedades mais prósperas, pois tem uma maior preocupação com a sua comunidade, família e a educação dos seus filhos.
Paralelamente à esse movimento, as grandes marcas foram pressionadas a se posicionar. Vejo um movimento de empresas apoiando os empreendedores: algumas reforçando suas ações de apoio; outras tentando surfar agora essa onda. Cabe aos empreendedores (e as mulheres empreendedoras ;) ) filtrarem quais ações são eficazes para seus negócios durante a crise do covid. E cabe aos consumidores acompanharem e ver quais surfaram esta onda e quais, de fato, incorporaram a causa ao seu propósito.
3) Antes sendo relacionado apenas com o meio ambiente pela maioria, o Desenvolvimento Sustentável vem sendo cada vez mais discutido como ferramenta de obtenção da igualdade social e prosperidade econômica. Como você acredita que as ODS podem impactar o mercado?
Como uma boa engenheira, gosto de um framework! O lado positivo é poder fazer discussões em fóruns mais especialistas e tentar compartilhar boas práticas entre semelhantes. O lado negativo é a complexidade de ter uma ferramenta com muitas frentes, indicadores, informações e pessoas querendo enquadrar e classificar tudo.
O importante para mim é que a ferramenta seja utilizada como um guia para nortear as discussões dos diversos atores - pessoas, empresas, governos, instituições - e menos uma ferramenta de rigor metodológico para auditoria, ranking, competição de iniciativas e normatização do que é certo ou não. Se bem utilizado, as ODS são ótimas para ajudar o mercado a navegar pela obtenção da igualdade social e prosperidade econômica!
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